Justiça Restaurativa: uma alternativa para interromper o ciclo da violência escolar
Quando eu estava no ensino fundamental 2, da quinta a oitava série, eu estudei em uma famosa escola de padres do bairro onde eu morava. Eles se diziam ser a favor de uma educação baseada nos valores “cristãos” mas foi o local onde mais eu vi bullying e violência em toda minha vida.
Eu não me identificava com as pessoas naquele contexto tão disfuncional, não queria fazer bullying para pertencer e/ou me proteger, então fui aprendendo a me camuflar para não ser o próximo alvo, a fazer os trabalhos sozinha para não ser sacaneada...
Quando estávamos na missa que celebrava a nossa formatura da oitava série, o padre falava sobre a importância da amizade e que era para a gente abraçar aquele amigo que nos apoiou e nos acompanhou durante todos aqueles anos do ensino fundamental. Eu não tinha a quem abraçar! Durante 4 anos eu não tive amigos, houve pessoas com quem eu interagi, mas nunca pude confiar em ninguém daquele contexto. Foi chocante me dar conta disso naquela missa.
Como eu sobrevivi 4 anos sozinha? Eu não deveria ter passado por isso, se estivesse realmente sendo cuidada e orientada, como ser humano em formação, mas nenhum dos professores que interagiu comigo me viu e não deve ter visto vários outros alunos que sofriam calados.
Houve uma professora de Inglês que me expôs e humilhou para a classe toda quando eu não tinha grupo para fazer o trabalho e ela dizia que era porque eu era preguiçosa e problemática, amplificando ainda mais minha fragilidade de não ter amigos e me expondo a novas possibilidades de bullying, ou a professora de Geografia que quando pedia para os alunos lerem algum texto ou repostas dos questionários, sempre me pulava porque eu falava tão baixo que ela não entendia o que eu falava...tudo isso doeu muito, mas eu fui criando uma casca grossa, uma forma de estar presente de corpo e ausente de alma...
Na maioria dos intervalos eu sentava sozinha, esperava o tempo passar e torcia para que ninguém visse minha fragilidade e me escolhesse como alvo do próximo ataque. Em todos aqueles anos, ÚNICA pessoa que me viu e demonstrou algum cuidado comigo foi a tia Thereza, que sentou do meu lado algumas vezes, me disse que sempre me via sozinha, perguntou se eu não tinha amigos.
Tia Thereza não sabia ler nem escrever, era a senhora que limpava a imundície que os alunos deixavam no pátio ou nos banheiros após o intervalo das aulas. Provavelmente ninguém naquele ambiente disfuncional valorizava o trabalho dela, nem escutava o que ela tinha a dizer, mas ela foi o ser humano mais sensato e sensível com quem interagi naqueles 4 anos.
Imagina se a escola tivesse um tipo de organização em que todos pudessem ser ouvidos e contribuir para a melhoria do processo educacional?
O que aconteceria se existissem momentos de conversas conduzidas por meio de uma dinâmica que garanta a segurança emocional de todos, para que os alunos e professores pudessem falar sobre os desafios que enfrentam no ambiente escolar, como estavam se sentindo, as dificuldades de convivência, as violências que sofrem?
Como seria abrir espaço para que os alunos que praticam bullying pudessem falar sobre suas motivações? Será que eles são alvo de violência em outros locais? Estão pedindo socorro por meio de um comportamento destrutivo?
E se tia Thereza fosse convidada a falar e compartilhar sobre as questões que ela percebia no dia-a-dia do pátio: quais os alunos que não tinham amigos, quais que tinham comportamento violento, quais eram alvos de bullying, quem jogava lixo no chão ou emporcalhava os banheiros, etc. e dar sua opinião sobre como cuidar desses detalhes? Certamente a escola seria um lugar melhor.
Essa é uma das propostas da Justiça Restaurativa, ouvir a todos os envolvidos direta ou indiretamente nos problemas, para construir soluções por meio da inteligência coletiva. A resposta às vezes está com aquelas pessoas que sistematicamente insistimos em não escutar ou que deliberadamente desvalorizamos.
Marina De Martino Facilitadora de Grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa Atendimentos individuais, casais, famílias, escolas, empresas, ongs