Certa vez alguém compartilhou um vídeo sobre o fato de alguns adultos darem doce para as crianças sem que os pais saibam, como se fosse uma “travessura”, um “segredo”, uma “brincadeira entre avô e neto”, “tio e sobrinhos” etc.
Enquanto algumas pessoas achavam “fofo”, relatavam que também já viveram situações semelhantes quando crianças e se lembravam da experiência com carinho, isso também gerou várias discussões e críticas de alerta, principalmente partindo de profissionais que se ocupam do estudo e prática da educação de crianças, eu inclusive.
Afinal, por que uma simples brincadeira ou demonstração de afeto seria um problema?
Muitos abu.sado.res se utilizam deste mesmo recurso para confundir suas vítimas e manter a situação de abu.so se perpetuando. Eles começam com doces, presentes, brincadeiras que são um “segredo só nosso”, algo que “seus pais não podem saber”, o que gradativamente vai minando a relação de confiança que a criança deposita nos principais cuidadores e posteriormente evolui para toques invasivos e outros tipos de violações, sob essa mesma desculpa de ser um “segredo”.
Aí você pode me questionar, como outras pessoas fizeram: “ah, eu sei que meus familiares dão doce escondido para os meus filhos, eles falaram comigo antes de fazer isso, não estão me enganando de verdade”, ou “eu confio nos meus familiares, que sei que eles não praticariam nenhum abu.so”. Sim, de fato, podem ser pessoas idôneas e com as melhores intenções.
Porém, o simples fato de expor a criança a esse tipo de dinâmica pode facilmente confundi-la se ela se encontrar em alguma situação de abu.so real, afinal, se ela confia no avô ou no tio que manifesta esse tipo de comportamento em um contexto seguro, não terá maturidade nem experiência suficiente para distinguir uma situação da outra.
Bem, mesmo diante do exposto, algumas pessoas insistiam em não reconhecer o perigo da situação, afinal é tão gostoso brincar com as crianças...é divertido, elas ficam tão felizes, os adultos também...se causa alegria, não deveria ser motivo de questionamentos “chatos”.
Aí volto ao início do texto, se uma demonstração de afeto em certos contextos como oferecer um doce escondido, por mais divertida que seja, pode colocar alguém que você ama em risco, será que é de fato uma demonstração de afeto e cuidado ou simplesmente uma ato de egoísmo em que o adulto satisfaz sua necessidade de diversão às custas do bem-estar de uma criança?
Quando começamos a perceber com clareza qual a motivação real de nossas expressões de afeto ( quais necessidades estamos cuidando com isso? Quais necessidades negligenciamos com essa ação?), podemos fazer escolhas mais cuidadosas que serão de fato uma expressão de afeto genuína, aquilo que fortalece a Vida.
Quando começamos a cultivar essa forma de relação, também manifestamos mais facilidade de receber e confiar nas expressões de afeto que recebemos, pois sabemos que essa expressão vem de uma motivação real de cuidado que afirma a vida em nós e no outro.
Como você percebe a sua habilidade de dar e receber afeto?
Marina De Martino
Mediadora de diálogos, facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa
Atendimentos individuais, casais, famílias, escolas, empresas, ongs
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