Continuando as considerações sobre o último post, em que eu comentei sobre as críticas feitas pela Thais Basile, a trechos do livro do Marshall Rosenberg:
Temos mais alguns pontos importantes a observar:
- entre eles, o fato da diferença estrutural entre a língua inglesa e portuguesa também causar confusões conceituais nas traduções. Conforme Dominic Barter apontou, por exemplo, em inglês o termo é "Non-Violent Commnunication" e em português ficou "Comunicação Não-Violenta".
Em inglês o termo Não-Violenta/Não-Violência vai na frente, chamando muito mais a atenção do que o termo comunicação. O que leva a um significação muito mais próxima do entendimento da CNV como prática de Não-Violência!
- os livros que levam o nome do Marshall, não foram escritos por ele. São coletâneas de trechos de cursos, palestras, workshops, entrevistas, textos, etc. Ele nunca escreveu um livro com a intenção de "ensinar" CNV.
Então, esses materiais, por serem recortes fora de contexto, vão apresentar incoerências e falhas. E isso é realmente problemático quando cai nas mãos de pessoas sem um conhecimento profundo da teoria e prática e começam a divulga-la de acordo com o que leu.
- o fato do Marshall não ter escrito um livro didático com a intenção de ensinar CNV, está ligado ao fato de que a maior parte do aprendizado não é por meio da teoria, o que é possível escrever e transpor para uma sistematização didática, é muito menor do que o alcance e profundidade que a prática requer. É como tentar ensinar alguém a modelar cerâmica por exemplo de um livro, por mais que a pessoa leia, faça exercícios, etc, ela só vai realmente alcançar um nível de satisfatório após anos de treino, na prática, e provavelmente aprendendo "segredos" e peculiaridades com quem passou a vida toda fazendo isso, é um tipo de conhecimento que não pode ser vendido nem comprado. Por isso que o Dominic compara o aprendizado da CNV a uma prática "artesanal".
- quando tentamos praticar CNV e nos apegamos a uma ideia fixa do que é CNV, acreditando que há um jeito certo e outro errado de fazer, já não estamos praticando CNV, pois o que ela requer, principalmente, é a flexibilidade de pensamento e de leitura de mundo.
- O subtítulo original do Livro Comunicação Não-Violenta inglês é "A Language of Life", Uma Linguagem da Vida. Em português foi traduzido como "Técnicas para Aprimorar Relacionamentos Pessoais e Profissionais".
Logo, existe uma grande diferença de significado entre " Uma Linguagem da Vida", algo que é compreendido como o estudo dos fatores que sustentam e enriquecem a vida, a compreensão de como sustentar e manter a saúde física, psíquica, emocional e espiritual, bem como aprender a conviver em harmonia com todos os seres viventes do planeta e entre aprender "técnicas de comunicação" para usar em determinados momentos e com determinadas pessoas, algo feito "para o outro", o que acaba se distorcendo para um entendimento de como usar a linguagem para convencer os outros a fazer o que você quer sem parecer autoritário.
Essa perspectiva definitivamente não é a proposta da teoria desenvolvida por Marshall Rosenberg.
Quem se interessa pelo tema da CNV, sugiro beber nas fontes que inspiraram o Marshall, principalmente os Livros de Carl Rogers, sobre a abordagem centrada na pessoa, a filosofia de Martim Buber sobre a relação eu-tue a a relação eu-objeto, a pedagogia libertária de Paulo Freire e sua relação com o poder da fala e escuta, etc
Além disso conheçam a teoria de Maturana sobre o "gene do amor", conheçam as práticas da Justiça Restaurativa, os Círculos de Constução de Paz desenvolvidos pela Kay Pranis, O Abuso do Poder na Psicoterapia, de Adolf G. Craig, um pouco da teoria dos opostos de Jung pode contribuir também, e uma série de outros conteúdos convergentes.
Marina De Martino
Facilitadora de Grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa
Atendimentos individuais, casais, famílias, escolas, empresas, ongs
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