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O uso inconsciente do tempo e a violência



“O trabalho irá esperar enquanto você mostra às crianças o arco-íris, mas o arco-íris não espera enquanto você está trabalhando.” Patricia Clifford


Eu estava em um workshop de Comunicação Não-Violenta e um dos temas que surgiu para explorarmos no grupo foi o conflito entre o pai e a filha que participavam do evento.

A filha dizia que ele comunicava os pedidos como exigências, que ela tinha que fazer tudo do jeito dele, na hora que ele queria e que às vezes ela não podia ou não queria fazer e se incomodava com a forma que o pai reagia a seus limites.


Ela tinha necessidade de previsibilidade para poder ser organizar temporalmente e também respeito a seus ritmos e necessidades, bem como ter autonomia para poder negar um pedido quando isso não cuidava dela.

Investigamos coletivamente o que estava por trás dos pedidos-exigência do pai e entendemos que ele não se sentia confortável em fazer pedidos, que deixava a tensão e as necessidades se acumularem até o momento de não aguentar mais, aí ele explodia, exigindo apoio e cooperação pra ontem.


Foi um momento bonito de ambos entenderem como poderiam conviver com mais harmonia, ele refletindo sobre essa dificuldade de pedir o que precisava antes de a situação ficar insustentável, ela entendendo como cooperar e ao mesmo tempo respeitar seus próprios ritmos e limites.


Além da importância de se fazer pedidos e contar com o apoio de outras pessoas, entendi com esse conflito que se organizar no tempo é um ponto chave das relações não-violentas, uma forma evitar sucumbir às exigências e ameaças aos outros, encontrando recursos alternativos se a outra pessoa não puder ou não quiser nos atender imediatamente.


Quando corremos para lá e para cá atarefados, deixamos de perceber como nós estamos, o que sentimos ou precisamos. Às vezes nos enchemos de tarefas para fugir de nós mesmos. O excesso de atividade também não permite que as conversas possam fluir de forma rica, pois não nos permitimos escutar o silêncio.


Uma das viagens mais lindas e transformadoras que fiz foi para a Índia, eu estava com um grupo de amigos, e acho que o diferencial foi ter muito tempo livre disponível, não tinha relógio, nem cronogramas, tinha só pessoas e um ambiente que oferecia diversas opções para se desfrutar. Também me lembro de momentos semelhantes que vivi em minha adolescência, de férias na praia...olhando agora percebo que tudo era tão mágico porque tínhamos tempo de qualidade para estar juntos e compartilhar da companhia uns dos outros.


Um dos grandes desafios ao se lidar com pessoas e com conflitos é o tempo: as relações requerem tempo, é como uma lagarta que sai do casulo, obriga-la a sair antes da hora só vai machuca-la.

Quando eu era professora de jardim da infância os pais e mães frequentemente se mostravam ansiosos para adiantar os filhos: ele já pode estar na série seguinte, já sabe ler, é mais esperto, já está mais desenvolvido que os outros... consigo entender as necessidades por trás dessa pressa, afinal, em um mundo competitivo, precisamos estar à frente, isso cuidaria de segurança, estabilidade, previsibilidade, reconhecimento, etc., mas a que custo?


Ainda hoje eu ainda me pergunto por que raios uma criança tem que saber ler aos 5 anos? Ela vai ter a vida inteira para aprender ler e escrever, mas não vai ter o tempo precioso da infância para sempre, passa tão rápido e priva-la do tempo de desenvolvimento motor, mental, emocional pode inclusive atrasá-la em outros aspectos...


Existe um livro infantil chamado Momo e o Senhor do tempo, que de forma lúdica e didática, ilustra a relação desequilibrada que atualmente temos em relação ao tempo: os homens cinzentos convencem as pessoas a economizarem seus tempos, pois do contrário, não poderiam aproveitar o futuro. Então eles passam viver correndo, acumulando tarefas freneticamente, ficando cada vez mais estressados e, contraditoriamente, sem tempo para se divertir e conviver com qualidade.


Um outro filme interessante para refletirmos sobre esse tema é Click, em que um homem possui um controle remoto capaz de acelerar os momentos desagradáveis e conflituosos de sua vida. O que aparentemente seria uma ótima forma de superar as dificuldades e desafios acaba se tornando um problema, pois ele começa a perder partes importantes da suas experiências e relacionamentos.


O que muda quando você toma consciência da dimensão temporal de suas escolhas e ações? Qual a consequência a longo prazo daquilo que você faz hoje?


Quais ações você faz diariamente motivado pela alegria e entusiasmo em contribuir livremente para o seu bem-estar e bem-estar dos outros e quais ações você faz motivado por medo, culpa, vergonha ou para receber uma recompensa futura?

Se hoje fosse o último dia de sua vida, você estaria fazendo isso que você escolheu fazer agora?


Marina De Martino CNV

Facilitadora de círculos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa








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