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Quando temos a quem admirar, não temos a quem odiar: uma poderosa estratégia anti-bullying

Eu vinha de uma experiência bem traumática durante o ensino fundamental 2 (entre a quinta e oitava série) e já comentei em outros textos que durante esses 4 anos, eu não tive absolutamente nenhum amigo na escola. Era um ambiente em que o bullying era a norma padrão de se relacionar e como eu me recusava a agredir pessoas para pertencer, eu fiquei sem amigos, aprendi a me virar sozinha em vários aspectos e a me camuflar para não ser o próximo alvo. Foi um período muito triste, em que eu e muitos outros adolescentes deveríamos ter sido vistos e cuidados pelos adultos, mas isso não aconteceu.


No primeiro ano do Ensino Médio, eu não me sentia mais em perigo como na outra escola, mas como eu vinha de uma experiência social traumática, eu continuei com o mesmo padrão, não tendo nenhuma amizade significativa. Mas o que foi significativo e iniciou o processo de mudança foram as aulas de Química da professora Maria Messaros ❤️.


Ela conhecia muito de química e conseguia conectar isso com vários outros assuntos de forma tão rica, que inspirou muitos alunos, inclusive eu, a escolherem fazer o curso técnico.

Nós a admirávamos tanto, que muitos não a chamavam de professora, mas de “mestra”, como uma mestra dos alquimistas...e o que era tão mágico era a qualidade da convivência durante as aulas do técnico (que era a tarde, separado das aulas do Ensino Médio). Claro que tínhamos outros professores, alguns bons, outros mais ou menos e outros bem medíocres também, mas olhando de fora hoje, acredito que ter uma referência em comum a quem admirar, se espelhar e se inspirar tornava o grupo coeso, amoroso. Isso é tão importante para os adolescentes. Me faz refletir que a diferença entre a sala do curso de técnico em Química e a escola anterior que em estudei foi essa falta de referencias, de ter algum adulto que se importava conosco além de notas e trabalhos e principalmente, a quem pudéssemos admirar.


Assim, cheguei a uma constatação importante:

Quando temos a quem admirar, não temos a quem odiar.


Algumas frases da "mestra" ainda hoje ecoam nos meus ouvidos, como “um químico tem que ter paciência, deve esperar o tempo da natureza”. Quando estávamos ansiosos esperando alguma reação química que não acontecia e parecia que o experimento tinha dado errado... curiosamente tão semelhante com a mediação de conflitos...os tempos da natureza humana e nossos imediatismos...


Ela também dizia "eu quero que vocês saiam daqui químicos analíticos e não químicos cozinheiros! (que só misturam substâncias)", porque quase ninguém gostava das aulas de química analítica.

Nisso decepcionei a Maria Messaros, virei uma ótima cozinheira (de comidas vegetarianas e veganas, é a forma como continuo vivendo a química hoje).


Uma última inspiração dela, que releio frequentemente foi o poema do Fernando Pessoa/Ricardo Reis:


"Para ser grande, se inteiro, nada teu exagera ou exclui, põe quanto és no mínimo que fazes, assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive..."

Como seria viver sem exagerar nem excluir partes de nós, nem dos outros, acolher, integrar e permitir que pertença tanto aquilo que eu gostamos quanto aquilo que não gostamos em nós...esse também é um dos princípios da Não-Violência.


Marina De Martino

Mediadora de diálogos, facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa


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