Se não vamos ficar com ele, por que vamos ama-lo?
O Régis morava em um sítio em Juquitiba e na casa vizinha havia um cachorro enorme e muito amoroso, o Lupi. A vizinha não dava muita atenção para ele, então por conta da amizade com nossas cachorras, ele acabou passando mais tempo no nosso quintal e acabou nos “adotando”, adorava passear com a gente na represa, protegia nossa casa, dormia a noite toda na porta de entrada, ninguém entrava sem a aprovação dele!
Aí certa vez, conversando com o Régis, nós compartilhamos nossos sentimentos em relação ao Lupi, a angústia, culpa, tristeza que sentíamos quando íamos para São Paulo ou ficávamos muitos dias fora de casa e não o levávamos. Consideramos que nós erramos ao fazer amizade com ele, que não deveríamos ter dado atenção, carinho e comida porque ele sofre cada vez que ficamos longe.
Aí fiquei refletindo sobre isso por mais um tempo: mas não foi uma experiência legal para ele? Ganhar carinho, companhia, comidas gostosas, passear, nadar na represa? Será que só porque isso não vai durar para sempre deveríamos priva-lo dessa oportunidade?
Não tem resposta, talvez só o próprio Lupi possa dizer o que prefere…
Já tive momentos em que tive necessidades atendidas e que estava explodindo de celebração e ao mesmo tempo fui tomada por uma enorme tristeza, pois receber algo tão incrível naquele momento me fez lembrar de todos os momentos em que não tive aquela necessidade atendida. A contradição faz parte da experiência humana, podemos ter sentimentos conflitantes ao mesmo tempo, e aprender a navegar na ambiguidade é um importante caminho para não perder ou ignorar partes importantes de nós mesmos ou das nossas experiências.
Me pergunto o quanto nós nos privamos de receber coisas boas, carinho, amor, cuidado, atenção, por medo de gostar e de que isso vá faltar no futuro. É a lógica da autossabotagem, não nos permitimos viver ou receber algo bom e logo fazemos algo para “estragar” a celebração, assim já nos preparamos para um futuro conhecido e “previsível”, mesmo que doloroso.
Cheguei à conclusão de que se fosse comigo, preferiria receber amor e carinho, aprender como é isso para depois saber o que é como buscar o mesmo nas outras relações.
Olhando o que é bom e o que funciona no passado podemos construir o futuro que queremos.
Marina De Martino
Mediadora de diálogos, facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa
Atendimentos individuais, casais, famílias, escolas, empresas, ongs