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Foto do escritorMarina De Martino

Um bêbado no trem (uma história sobre raiva e empatia)

Por Terry Dobson*

O trem atravessava sacolejando os subúrbios de Tóquio numa tarde de primavera. Nosso vagão estava comparativamente vazio: apenas algumas donas de casa com seus filhos e alguns velhos indo fazer compras. Eu olhava distraído pela janela a monotonia das casas sempre iguais e das sebes cobertas de poeira.

Chegando a uma estação, as portas se abriram e, de repente, a quietude da tarde foi rompida por um homem que entrou cambaleando no nosso vagão, gritando com violência imprecações incompreensíveis. Era um homem forte, encorpado, com roupas de operário. Estava bêbado e imundo. Aos berros, esbofeteou uma mulher que carregava um bebezinho. A força do tapa fez com que ela fosse cair no colo de um casal idoso. Só por um milagre nada aconteceu ao bebê.

Aterrorizado, o casal deu um pulo e fugiu correndo para a outra extremidade do vagão. O operário tentou ainda dar um pontapé na velha, mas errou a mira e ela conseguiu escapar. Isso o deixou em tal estado de fúria que agarrou a haste de metal no meio do vagão e tentou arrancá-la do balaústre. Pude ver que uma das suas mãos estava ferida e sangrava. O trem seguiu em frente, com os passageiros paralisados de medo. Eu me levantei.

Na época, cerca de vinte anos atrás, eu era jovem e estava em excelente forma física. Vinha treinando oito horas de Aikidô quase todos os dias há quase três anos. Gostava de treinar corpo a corpo e me considerava bom de briga. O problema é que minhas habilidades marciais nunca haviam sido testadas em um combate de verdade. Nós, alunos de Aikido somos proibidos de lutar.

“Aikido”, – meu mestre não cansava de repetir, “é a arte da reconciliação. Aquele cuja mente deseja brigar perdeu o elo com o Universo. Se tentarem dominar as pessoas, estarão derrotados de antemão. Nós estudamos como resolver conflitos, não como iniciá-los.”

Eu ouvia essas palavras e me esforçava. Chegava a atravessar a rua para evitar os arruaceiros, os pungas dos videogames que costumam vadiar perto das estações de trem. Ficava exaltado com minha própria tolerância e me considerava um valentão reverente, piedoso mesmo. No fundo do coração, porém, desejava uma oportunidade absolutamente legítima em que pudesse salvar os inocentes destruindo os culpados.

– Chegou o dia! – pensei comigo mesmo enquanto me levantava. Há pessoas correndo perigo e se eu não fizer alguma coisa é bem possível que elas acabem se ferindo.

Quando me viu levantando, o bêbado percebeu a chance de canalizar a sua ira.

– Ah! – rugiu ele. ­ Um estrangeiro! Você está precisando de uma lição em boas maneiras japonesas!

Eu estava de pé, segurando de leve nas alças presas ao teto do vagão, e lancei-lhe um olhar de nojo e desprezo. Pretendia acabar com a sua raça, mas precisava esperar que ele me agredisse primeiro. Queria que ficasse com raiva, por isso curvei os lábios e mandei-lhe um beijo insolente.

– Agora chega! ­ gritou ele. ­ Você vai levar uma lição. ­ E se preparou para me atacar.

Mas uma fração de segundo antes que ele pudesse se mexer, alguém deu um berro:

– Ei!

Foi um grito estridente, mas lembro-me que tinha um estranho timbre, jubiloso e cadenciado, como quando estamos procurando alguma coisa junto com um amigo e ele subitamente a encontra: “Ei!”

Virei para a esquerda, o bêbado para a direita. Nós dois olhamos para um velhinho japonês que estava sentado em um dos bancos. Esse minúsculo senhor devia ter bem mais de setenta anos, e vestia um quimono impecável. Não me deu a menor atenção, mas sorriu com alegria para o operário, como se tivesse um importantíssimo e delicioso segredo para lhe contar.

– Venha aqui ­ disse o velhinho num tom coloquial e amistoso. ­ Vem aqui conversar comigo ­ insistiu, chamando-o com um aceno de mão.

O homenzarrão obedeceu, mas postou os pés beligerantemente diante dele e gritou por cima do barulho das rodas nos trilhos:

– Por que diabos vou conversar com você?

Ele agora estava de costas para mim. Se o seu cotovelo se movesse um milímetro que fosse eu o esmagaria. Mas o velhinho continuou sorrindo para o operário.

– O que você andou bebendo? ­ perguntou com os olhos brilhando de interesse.

– Saquê ­ rosnou de volta o operário ­ e não é da sua conta! ­ completou, lançando perdigotos no rosto do velho.

– Que ótimo ­ retrucou o velho. ­ Excelente mesmo. Eu também adoro saquê! Todas as noites, eu e minha esposa aquecemos uma garrafinha de saquê e vamos até o jardim nos sentar num velho banco de madeira. Ficamos olhando o pôr-do-sol e vendo como vai indo o nosso caquizeiro. Foi meu bisavô quem plantou essa árvore, e estávamos preocupados achando que ela não fosse se recuperar das tempestades de gelo do último inverno. Mas a nossa arvorezinha saiu-se melhor do que esperávamos, ainda mais se considerarmos a má qualidade do solo. É gratificante olhar para ela quando levamos uma garrafinha de saquê para apreciar o final da tarde, mesmo quando chove!

E olhava para o operário, seus olhos reluzentes. O rosto do operário, que se esforçava para acompanhar a conversa do velhinho, foi se abrandando e seus punhos pouco a pouco relaxando.

– É, é bom. Eu também gosto de caqui… ­ mas sua voz acabou num sumiço.

– São deliciosos – ­concordou o velho sorrindo. ­ E tenho certeza de que você também tem uma ótima esposa.

– Não – ­retrucou o operário. ­ Minha esposa morreu.

Suavemente, acompanhando o balanço do trem, aquele homenzarrão começou a chorar.

– Eu não tenho esposa, eu não tenho casa, eu não tenho emprego. Eu só tenho vergonha de mim mesmo.

Lágrimas escorriam pelo seu rosto; um frêmito de desespero percorreu-lhe o corpo.

Chegara a minha vez. Lá estava eu, com toda a minha imaculada inocência juvenil, com toda a minha vontade de tornar o mundo um lugar melhor para se viver, sentindo-me de repente mais sujo do que ele.

O trem chegou à minha estação. Enquanto as portas se abriam, ouvi o velho dizer solidariamente:

– Minha nossa, que desgraça. Sente-se aqui comigo e me diga o que houve.

Voltei-me para dar uma última olhada. O operário escarrapachara-se no banco, a cabeça no colo do velhinho, que afagava com ternura seus cabelos emaranhados e sebosos.

Enquanto o trem se afastava, sentei-me num banco da estação. O que eu pretendera resolver pela força fora alcançado com algumas palavras meigas. Eu acabara de presenciar o Aikido num combate de verdade, e a sua essência era o Amor. A partir de agora teria que praticar a arte com um espírito totalmente diferente. Muito tempo passaria antes que eu voltasse a falar sobre a resolução de conflitos.



Por Justine Mol Tradução de Sandra Caselato

Você às vezes também suspira: “Estou realmente farto disso. Eu estou tão cansado dos conflitos, da agressão entre os alunos, de buscar soluções e medidas contra isso, da falta de motivação e de todas essas coisas que tenho que fazer, além de ensinar. Não é possível que o trabalho seja diferente? ”

Claro! O trabalho pode ser diferente. Marshall Rosenberg, psicólogo e mediador americano, oferece ferramentas concretas para mudar as coisas por meio da Comunicação Não-Violenta (CNV). Ele sugere que você mude sua atenção de ‘julgamentos e busca de soluções’, como mais regras e punições, para ‘sentimentos e necessidades’.

Um exemplo Seu colega pega emprestado seus vídeos e não os coloca de volta. Você pode ficar irritado com ele e iniciar uma discussão sobre culpa e responsabilidade. Não vai trazer de volta suas fitas e seu colega vai ficar aborrecido. Ou você pode perceber que você deseja que os outros lidem com você e com suas coisas com respeito. Que você se sente nervoso e tenso quando suas coisas não estão onde você espera que elas estejam. Você tem necessidade de paz e organização. Quando essas necessidades são satisfeitas, o seu ensino é mais bem sucedido. Então, pergunte-se se você pode se abrir para considerar o que inspira o seu colega a “emprestar” seus vídeos desta forma. Então você pode começar uma conversa. Vocês podem se encontrar e talvez chegar a uma solução em que ambos estejam felizes.

Isso pede uma mudança de 180 graus. Você se opõe a algo, luta por seus direitos, ou por estar certo? Ou você busca clareza e a satisfação das necessidades de todos? Então você pode entender cada confronto como uma oportunidade para aprender algo. Você nunca vai conseguir mudar ninguém, a não ser você mesmo, de qualquer forma.

Claro que você pode pedir a alguém para contribuir com sua felicidade, mas se ele ou ela diz ‘não’ (ou diz ‘sim’ e não cumpre) você pode negociar outro acordo. Desta forma você transforma ‘exigências’ e ‘mudanças forçadas’ em ‘pedidos’ e ‘consenso’.

No início, esta forma de comunicação vai exigir tempo e energia extra, mas logo ‘brigar’, ‘manter a ordem’ e todos os tipos de problemas serão substituídos por conversas “não-violentas”.

Esta forma agradável, respeitosa e enérgica de criar um clima escolar saudável pode ser usada em qualquer tipo de escola.

……………….

Justine Mol trabalha no campo da educação com ‘Comunicação Desarmadora’ (Disarming Communication), na Holanda.

Ela adora trabalhar com pais, professores e outros educadores. Sua visão é de que só criaremos um mundo sem violência quando começarmos a criar nossas crianças de uma forma diferente. Para ela, só podemos fazer isso se nós, adultos, primeiro nos desarmarmos e nos conectarmos com nossos corações. Você pode contatá-la pelo e-mail info@justinemol.nl Seu site http://www.justinemol.nl está em holandês e inglês.

© 2004 Justine Mol. Texto traduzido para inglês de um artigo publicado em boletim enviado a todas as escolas primárias na Holanda, de uma série de artigos sobre a Escola de Rosenberg e trabalho com Comunicação Não-Violenta.

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