Uma forma simples de prevenir conflitos
Nos últimos tempos eu estava envolta com a escrita do meu TCC do curso de especialização em Pedagogia Social. Eu gosto muito de escrever, mas lidar com a rigidez do trabalho acadêmico para mim não é um processo simples, eu ainda tenho muitas dúvidas e a adequação às normas ABNT muitas vezes me bloqueia, então uma das coisas que fiz em outros cursos e que estou fazendo agora é ir escrevendo livremente e pedir para alguém revisar o texto.
No TCC que fiz durante a graduação em Pedagogia, eu contratei o serviço de uma revisora que fez um trabalho muito bom, tivemos uma relacionamento fácil e fluido, eu me senti muito segura ao escrever e inclusive ficamos amigas nas redes sociais e ela meu deu um feedback que gostava muito das minhas postagens e visão de mundo, inclusive se identificou com o tema do TCC. Então dessa vez solicitei novamente os serviços dela, mas era outro contexto, um TCC bem mais complexo, que foi feito em etapas, demandou muito mais tempo, entrevistas, coleta de dados, etc.
E nisso houve um grande desentendimento entre nós: em certo momento ela se atrapalhou com problemas pessoais, demorou para me entregar parte da revisão, passou o prazo. Eu me irritei mas tomei o cuidado de perguntar se ela estava com algum problema, antes de tirar conclusões de que ela estava me enrolando ou fazendo um trabalho mal feito, e no final relevei o contratempo, pois gostava dela e do trabalho que ela fazia. Perguntar antes de tirar conclusões foi uma dos grandes aprendizados que tive com a Comunicação Não-Violenta, é algo que pode evitar muitos mal entendidos.
Mas aí veio o momento em que fui eu que me atrapalhei, as coisas saíram do ritmo: ela me entregou a última revisão e eu demorei umas 3 semanas para responder, ela não me cobrou, nem me mandou alguma mensagem, então acreditei que estava tudo certo, que era só retomar o contato quando tivesse mais material para ela revisar.
Quando eu retomei a escrita, enviei para ela uma mensagem no domingo à noite, dizendo que tinha escrito mais uma parte e precisava da revisão naquela semana, se possível. Fui tratada com 10 pedras na mão, porque “eu sumi sem avisar, porque não agradeci o ultimo envio, porque deveria ter pedido desculpas, porque não deveria ter escrito no domingo, porque ela pensou que eu não ia pagar pelo trabalho, que ela não ia mais fazer a revisão nenhuma e que não queria nem receber o pagamento pelo que já tinha sido feito”.
Eu fiquei em choque, porque não fazia a menor ideia de tanto veneno sendo cozido e apurado no caldeirão das suposições, foi um soco no estomago que me tirou o chão e o fôlego, é muito difícil lidar com a raiva alheia alimentada por suposições sobre quem somos ou sobre nossas intenções. Por isso é fundamental perguntar sempre, ao invés de tirar conclusões. Sabe aquele ditado “para bom entendedor meia palavra basta”? É uma tremenda furada, somos todos, sem exceção, péssimos entendedores. Se tivermos isso em mente e perguntarmos, sempre, se o que imaginamos corresponde de fato à realidade, conseguimos evitar muitos conflitos dolorosos causados por motivos bobos.
Pedi desculpas quando percebi o tamanho do caos, mas não adiantou, expliquei o que aconteceu, inclusive que fiquei surpresa porque quando ela “falhou” e atrasou a entrega eu tive o cuidado de mandar uma mensagem perguntando o que tinha acontecido, eu fui compreensiva com os limites dela, e que quando eu “falhei” eu não tive nenhum tipo de feedback que algo não ia bem, muito menos a oportunidade de me explicar ou de reparar o problema...
Doeu muito a forma como tudo aconteceu, porque para mim, era uma relação professora-aluna que estava estabelecida, eu confiava, expunha a vulnerabilidade das minhas ideias em construção no TCC, o que para mim é algo extremamente íntimo e sensível. Demorei algumas semanas até digerir toda tristeza que esse rompimento me causou e tirar algum aprendizado dessa situação. Sem contar que teria que investir novamente energia em buscar outra pessoa para me ajudar com a escrita, estabelecer de novo essa relação de parceria e confiança.
Pela minha experiência trabalhando com grupos e lidando com conflitos, eu já sabia que fazer acordos claros teria evitado tudo isso. Mas naquela situação, eu confiei que não seria necessário e é nessas brechas em que achamos que algumas medidas não são necessárias que o problema acontece.
Cada uma de nós estava com uma ideia sobre como deveria ser aquela relação, acreditando que a outra também compartilhava dos mesmos acordos, que afinal pareciam ser tão “óbvios”, mas que na realidade não eram porque não havíamos conversado sobre eles. Nós poderíamos ter feito previamente acordos claros sobre como deveria ser a nossa relação: se existe um prazo para responder as mensagens; se as mensagens não forem respondidas dentro do prazo, o que aconteceria; se existem dias e horários em que não se deve enviar mensagens; em quais condições o contrato é rompido; qual prazo para pagamento; eu poderia ter deixado mais claro o quanto a escrita é algo sensível para mim e que nem sempre vou ter os textos prontos para revisão com regularidade; etc.
Pense nos conflitos que você tem vivido: eles poderiam ter sido evitados se houvesse uma checagem antes de agir com base em suposições? É possível ter uma atitude preventiva, propor uma conversa franca e fazer acordos antes que os problemas tomem proporções catastróficas? Quais acordos estão desatualizados e você precisa refazer ou rever?
Marina De Martino
Facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa
Atendimentos individuais, casais, famílias, empresas, ongs, escolas