Você está preso no ciclo do conflito?
Atualizado: 3 de jul.
Eu estava envolvida em um projeto em grupo e tive problemas com uma pessoa específica que me criticava e rotulava como irresponsável, egoísta, que não cuida, que não se importa, que não é confiável...
Essa relação, curiosamente, foi uma das que mais me incentivou a aprender sobre Comunicação Não-Violenta, pela dor e pelos desafios que me exigiam muita escuta, atenção e autoempatia.
Esse colega em questão cultivava esses rótulos que citei acima e a partir deles, alimentava imagens de inimigo a meu respeito. Provavelmente motivado pelo medo e desconfiança, monitorava meu comportamento em busca de evidências que justificassem suas avaliações.
O grande problema com os julgamentos e rótulos é que eles nos oferecem uma visão parcial da experiência, mantendo uma seletividade em nossa atenção e memória, então, quando eu fazia algo de bom e construtivo, quando eu investia esforços para criar conexão e entendimento com ele, isso simplesmente não era contabilizado da mesma forma.
Tragicamente, a cada falha minha, ele tinha a confirmação de que era isso mesmo, de que não era possível confiar em mim, que eu só fazia merda... e isso alimentava ainda mais a sensação de urgência de se proteger ou de me “educar” para que eu passasse a me comportar da forma que ele considerava ser a correta.
Aqui começamos a nos perder no ciclo do conflito. Perceba o que acontece quando tentamos nos proteger ou educar o outro apenas com base em nossas avaliações:
- Quando eu fazia algo que não saía como o planejado ou precisava de apoio para algo, ele negava, porque “se ele me ajudasse eu nunca desenvolveria a tal da “autorresponsabilidade”.
- Diante da negativa, eu que já estava ferida, alimentava ainda mais minha mágoa, ressentimento e revolta. O diálogo interno que ressoava em mim era: “Que projeto coletivo é esse em que não se pode contar com os outros? Que não existe cooperação? O cuidado coletivo que temos como valor é só fachada?”
- Eu esperava receber cooperação e cuidado da mesma forma que eu oferecia e como isso não acontecia e eu me via sozinha, criticada e sem apoio quando eu mais precisava. Baseada em minha dor e meus julgamentos, eu também deixava de cooperar e cuidar quando era solicitada.
- Minha resposta aos pedidos e solicitações então passou a ser igual à que ele me dava: “problema seu, se vira”, o que novamente confirmava a imagem que ele tinha de mim como egoísta, irresponsável, etc., fazendo com que o ciclo continuasse e se agravasse.
A sabedoria popular, diversas religiões e abordagens de autoconhecimento frequentemente ressaltam a importância do “não julgar”. E essa dinâmica evidencia claramente o problema com os julgamentos e interpretações.
Eles alimentam o ciclo do conflito e as imagens de inimigo, colocando mais lenha na fogueira de relações que já estão se deteriorando.
Quando lidamos com imagem de inimigo, fica quase que irresistível não nos apegarmos em alguma ideia de punição ou vingança, afinal, nosso inconsciente tem sido ricamente alimentado por imagens e histórias de vilões que somente são corrigidos pelo sofrimento ou humilhação.
A melhor forma de quebrar o ciclo do conflito é estar consciente de como estamos criando imagens sobre o outro, bem como se essas imagens estão de fato alinhadas com a realidade e para isso o diálogo claro e aberto é essencial.
Um exercício que muitas pessoas resistem, mas que pode ser muito útil é elogiar ou encontrar pontos positivos nas pessoas com quem estamos em conflito. Isso permite que a atenção deixe de selecionar apenas os pontos que se encaixam no personagem que criamos e nos impele a construir uma imagem mais alinhada com a experiência real.
Quem são seus inimigos hoje?
Você consegue apreciá-los honestamente?
Marina De Martino
Facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa