Certa vez, estava conversando com um casal e sua filha, de aproximadamente uns 6 anos de idade.
Estava se aproximando o dia das crianças e o pai da menina falou: ela só pede presentes caros, assim não tem quem aguente!
O pedido dela era a mansão da Barbie, algo que deve custar uns bons milhares de reais...me lembro que quando eu era criança eu também gostaria muito de ganhar esse presente.
Quando ele expressou essa desaprovação em relação ao pedido da menina, eu fiz uma observação em defesa dela: “sonhar e pedir não é um problema, ela pode pedir o que quiser, você só não tem a obrigação de atender a todos os pedidos”.
Sonhar e expressar o que se deseja deveria ser livre. O problema é que desaprovamos a expressão do desejo do outro porque temos dificuldade de lidar com nossos limites e administrar a frustração do outo frente ao nosso “não”.
Quantas vezes nem nos permitimos sonhar e desejar algo melhor porque nos foi ensinado que “é errado”, “que os adultos vão ficar tristes ou bravos”, “que não é para a gente”, “que é impossível”?
E chegamos à idade adulta com essa mesma limitação...vivemos em uma situação difícil, dolorosa e nos conformamos com ela.
Quando eu comecei a minha vida profissional, eu tinha uma meta, comprar minha casa própria antes dos 30 anos. Eu queria que fosse um local perto do metrô. Muita gente me disse que perto do metrô era muito caro, que iria demorar muito para eu juntar aquele dinheiro, que seria melhor comprar em uma região mais periférica, ou até mesmo desistir e investir meu dinheiro em um carro. Pois bem, eu continuei sonhando e procurando. Aos 26 anos comprei meu apartamento, por um preço que estava dentro de minha realidade financeira. Ele fica a uns 3 passos de distância do metrô. Será que se eu não tivesse a liberdade de sonhar grande com a casa da Barbie quando criança, eu poderia me permitir ter sonhado grande com a minha casa quando adulta?
Recentemente, eu estava dando uma consultoria para um projeto em que uma parte dos conflitos e tensões era gerada por dificuldades financeiras. Propus um exercício de fazermos uma planilha para observarmos a situação das finanças, quais eram as maiores fontes de gastos, o que poderia ser reduzido, onde havia mais possibilidade de aumento de ganhos…
Ficou evidente que as contas estavam no zero a zero ou frequentemente davam prejuízo. Ok, reconhecer nosso tamanho e onde estamos é um primeiro passo. Depois propus um exercício de “sonhar” para meu interlocutor: se estivéssemos em um cenário ideal, com todas as contas pagas, quanto precisaríamos arrecadar?
Fizemos as contas, não foi simples, precisei relembrar por diversas vezes meu interlocutor de que era apenas um “sonho”, não precisávamos naquele momento saber como, quando ou de onde viriam aqueles recursos. A resistência ao exercício não se parece com a reação da criança que aprendeu que não pode pedir a casa da Barbie?
Ao final do registro do “sonho” na planilha, fizemos o cálculo comparativo para vermos o quanto nossa realidade estava distante do “sonho” e sabe qual foi a conclusão? O “sonho”, apesar de grande, não estava tão longe assim de ser alcançado. Com planejamento, organização e alguns ajustes, era perfeitamente possível equilibrar as contas do projeto.
Sem o exercício do “sonho”, talvez meu interlocutor ficasse perdido ou desolado em meio aos números negativos da planilha. Nos permitir sonhar é o primeiro passo para transformar a realidade que queremos.
Assim, tanto para a menina que deseja a mansão da Barbie quanto para meu cliente,
Veja só que interessante o exemplo da Luiza, que me contou que foi uma criança muito pobre, e sua mãe não tinha dinheiro para comprar brinquedos. Certa vez ela achou, na pracinha perto de sua casa, um carrinho em forma de melancia, da turma da Mônica, que alguma criança deveria ter esquecido. Levou para casa, toda feliz. A mãe, muito rígida e justa, mandou ela devolver no lugar onde achou, pois a criança que perdeu poderia voltar lá para procurar e assim ela o fez.
E apesar da tristeza e frustração, continuou sonhando sua infância toda com a tal melancia em forma de carrinho…depois de alguns anos quando ela já estava adulta, pensou em comprar o brinquedo para satisfazer seu desejo de criança, mas ele já havia saído de linha, nunca mais se viu nas lojas. Às vezes mesmo tendo o dinheiro em mãos, parece que nosso sonho não tem como se realizar, pois nem sempre é o dinheiro o fator de impedimento...
Hoje, por volta dos 50 anos, Luiza trabalha em um bazar beneficente, que arrecada fundos para as obras de assistência social da igreja. Bazares são locais muito interessantes, ótima oportunidade para reaproveitar roupas e objetos em bom estado, com preços baixos e contribuir para minimizar os impactos ambientais de produção e descarte de mercadorias.
No bazar da Luiza aparece de tudo e eu adoro fazer umas visitas! Não só pelo bazar, mas pela companhia também. Durante o período crítico da pandemia, por diversas vezes eu e o Régis fomos ao bazar e trocamos longas conversas com ela, foi um apoio muito importante para nos ajudar a aliviar a tensão que o isolamento causava (se olhar bem, você percebe que ela é uma curandeira de almas disfarçada de vendedora de bazar).
E não é que um dia o improvável aconteceu?
Alguém doou para o bazar aquela antiga melancia da turma da Mônica!
Imagina só a alegria e espanto da Luiza???
Ás vezes os sonhos se realizam por caminhos que nem imaginamos. Mas para que se tornem realidade, é preciso primeiro não perder a capacidade de sonhar.
Marina De Martino
Facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa
Atendimentos individuais, casais, famílias, empresas, ongs, escolas
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