Você tem medo de ser cobrado pela alegria?
Certa vez eu estava com o Régis, meu namorado, tentando atravessar uma rua muito movimentada e que não tinha farol por perto. Enquanto esperávamos, demos um beijo um pouco mais demorado, o que fez com que perdêssemos uma oportunidade de atravessar a rua. Fiz um comentário observando esse fato e ele respondeu: tudo na vida tem um preço, ter que esperar mais um pouco agora foi o preço do beijo gostoso que a gente deu… Aí eu fiquei pensando, será mesmo que todas as coisas boas que recebemos tem um preço? Será que não podemos receber nada de graça?
Me lembrei da lição das tamareiras: elas demoram 100 anos para dar frutos, se hoje comemos tâmara, é porque alguém plantou sem intenção se colher, por pura dádiva às gerações futuras...será que hoje, além dessas frutinhas deliciosamente doces, nos permitimos comer as tâmaras-presentes do universo? Aquelas que não plantamos, mas que podemos receber por pura graça? Quais tamareiras-presentes estamos plantando para futuros desconhecidos?
Na economia da dádiva aquilo que você precisa, você pode receber livremente do grupo, sem precisar abrir mão de algo de valor em troca. Isso não significa apenas pegar e nada doar, você também oferece seus valores, mas é um movimento de oferta, contribuição para o bem estar coletivo, que invariavelmente, vai voltar para nós mesmos também.
Essa perda de uma cultura da dádiva me fez refletir sobre nossa incapacidade de sentir e sustentar a alegria, afinal, cada vez que celebramos algo ou ficamos alegres, um frio na espinha vem em seguida: “será que algo ruim está para acontecer?”. O quanto nossa incapacidade de sustentar a alegria não vem desse logica capitalista de que tudo tem preço? De que preciso dar/perder algo importante para receber algo igualmente importante? De que uma grande alegria vai nos custar uma grande perda? Acredito que se vivêssemos a base da economia da dádiva, teríamos muito mais fé na vida e mais corpo para sentir e sustentar a alegria.
Marina De Martino
Facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa