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Professora sim, tia não

Eu trabalhei por um período como professora de educação infantil. Nesse contexto, é muito comum as crianças chamarem as professoras de “tia”. Eu mesma me lembro com carinho de algumas “tias” que contribuíram para meu aprendizado.


Mas eu sentia um incômodo quando ouvia “tia Marina” e não sabia explicar de onde vinha, afinal, me parecia uma forma amorosa de ser chamada. O tempo passou, mudei de profissão, mas recentemente decidi fazer a graduação em pedagogia, para embasar os cursos e treinamentos que ofereço.


Tive que voltar à escola de educação infantil para fazer estágio. Eu escolhi o mais fácil uma escola bem perto da minha casa e tive a imensa sorte dessa escola que seguir a abordagem Reggio Emília (a pedagogia tem várias abordagens diferentes: Construtivista, Waldorf, Montessori, etc).


Pude observar formas potentes e libertárias de conduzir a educação, como a valorização do brincar livre, a escuta profunda das crianças durante o processo de aprendizagem (com um conteúdo programático flexível e adaptável aos interesses e necessidades que cada criança manifesta), uso de materiais não estruturados (objetos que podem virar vários brinquedos diferentes mediante a criatividade das crianças, exemplo: frascos de produtos vazios, conchas, pinhas, gravetos, pedras, utensílios que se usam em casa, etc. ), bem como o respeito e cuidado com as professoras e crianças (algo que sempre me incomodou na educação infantil foi a sobrecarga das professoras e a falta de respeito em relação às crianças).


Mas a principal e mais gritante experiência que tive nessa escola, foi ser chamada de “prô Marina”! Nessa escola as professoras não eram chamadas de “tia”, mas de “prô” (professora). Nada mais lógico, afinal é o que elas fazem!


Eu me senti tão mais leve quando ouvia “prô Marina” em vez do tradicional “tia Marina”!

Eu já conhecia o livro do Paulo Freire, “Professora Sim, Tia Não”, mas nunca tinha parado para realmente refletir sobre esse incômodo por essa perspectiva (apesar de amar os escritos dele, achava essa crítica um exagero), mas com essa simples experiência, constatei que ela faz muito sentido.


Paulo Freire argumenta que ser “tia”, irmã da mãe o u do pai, não é uma escolha, é a condição de um membro da família, é possível inclusive ser tia sem querer sê-lo, é possível ser tia e não se envolver com a educação das crianças.


Ser professora é uma escolha e uma profissão, demanda estudo, prática, aprimoramento. Quando reconhecemos isso, desnaturalizamos a tarefa de cuidar como algo gratuito, feito por amor, inerente às mulheres, que aquelas cuidadoras que são “quase da família”, como tias, muitas vezes fazem sem receber o devido reconhecimento, valorização e remuneração.


Uma educação de qualidade passa por valorizar e reconhecer o trabalho das professoras.


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