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Dizer para uma mulher que ela deve “ter mais energia feminina” pode induzi-la a um relacionamento abu.si.vo.


É bem comum ouvir de alguns terapeutas (sem o devido letramento em gênero,) que supostamente ajudam mulheres a conseguir um relacionamento amoroso com homens, que elas devem cultivar mais a energia feminina para “atrair” um bom relacionamento.

Eu quero levantar aqui uma questão sobre o que entendemos como “energia feminina” e como isso pode induzir essa mulher a um relacionamento abu.si.vo.


Certa vez questionei uma postagem que dizia que as mulheres deveriam ser “passivas na relação porque o útero é passivo”. Primeiro, é bem limitador reduzir a totalidade de uma mulher a um órgão de seu corpo. Segundo, o útero é passivo dependendo do ponto de vista: o útero não “penetra” como o pê.nis, teoricamente ativo, mas como podemos associar passividade a um órgão que se prepara e se desmancha todo mês para receber um bebê, se contrai em orgasmos múltiplos, abriga, sustenta e constrói um bebê, depois expulsa esse bebê... eu vejo muita mais simbolismo de atividade, força e criatividade no útero do que no pê.nis.


Enfim, o que os terapeutas (sem o letramento em gênero) convencionaram como “energia feminina” seria ser dócil, receptiva, submissa, passiva, se doar incondicionalmente, aceitar a liderança do homem sem resistir ou questionar, etc. E isso a cultura ma.chis.ta em que estamos inseridos e as práticas de socialização feminina já reforçam muito bem. O que temos, na realidade, são mulheres que, em sua maioria, não aprenderam a exercer habilidades convencionadas como “masculinas”, que também são fundamentais para manter bons relacionamentos:


Apresentar seus limites com clareza, dizer o que quer e como quer, sustentar o “não”, tomar suas decisões com autonomia (isso é diferente de não ouvir ou não considerar a opinião do parceiro), gerenciar seus recursos financeiros, fazer uso da raiva e da força para se proteger, exigir respeito e colaboração no cuidado doméstico, etc.


Já vi algumas mulheres fortes e poderosas ficando extremamente fragilizadas em relacionamentos amorosos, abrindo mão de seus sonhos, carreira, projetos, recursos financeiros, “pisando em ovos” para não aborrece-lo, se reduzindo para “não assustar o homem” ou para caber nos limites restritos do mundo dele, ou confiando que o homem tomasse as decisões e decidisse os rumos do casal. É a receita perfeita para relacionamentos abu.si.vos.


Por mais coerente e cuidadoso com a mulher que esse homem seja (o que é raridade em um sistema patriarcal), ele não tem bola de cristal para saber o que sua companheira quer, sem que ela expresse isso com clareza, a falta de limites claros pode gerar ressentimentos, falhas de comunicação, decisões que prejudiquem os interesses dela, etc., além disso, estar em um relacionamento em que uma das partes se “auto-anula” pelo bem da relação à princípio pode ser bem confortável, principalmente para o homem, que não encontra barreiras ou resistências ao exercício do papel esperando pelo patriarcado de ser “o cabeça” do casal, mas não é nada saudável a longo prazo. Um relacionamento equilibrado é construído considerando-se os sentimentos e necessidades de ambas as partes nas tomadas de decisão, em uma relação ganha-ganha.


Não é simples nem fácil, quando as partes envolvidas “não cedem” logo de primeira, os conflitos vão acontecer sim, e aprender a sustentar a tensão das divergências é parte fundamental do aprender a conviver.


Conflitos podem ser destrutivos quando seguimos pela via da anulação de si mesmo ou do outro, mas se bem direcionados, quando nos esforçamos para sair do nosso ponto de vista e compreender o mundo do outro, podem ser uma oportunidade de fortalecer vínculos, diálogo, criatividade e cooperação.


E para construirmos esse tipo de relação, exercer a assertividade por meio de habilidades que foram convencionadas “energia masculina”, por ambas as partes do casal, é fundamental.


Marina De MartinoMediadora de diálogos, facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça RestaurativaAtendimentos individuais, casais, famílias, escolas, empresas, ongs


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