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O segredo para enfrentar conversas difíceis

Atualizado: 3 de jul. de 2023

Quando me separei do Chris (meu ex-companheiro) e percebi o processo de luto estava em estágio mais avançado, comecei a desejar me envolver com alguém novamente.

Eu tinha alguns preconceitos com os aplicativos de namoro, mas havia ouvido a história de um amigo que conhecera seu namorado no Tinder, então resolvi experimentar.


Fiquei um tanto perplexa ao visitar os perfis dos homens, me despertando vários questionamentos sobre a forma como eles se apresentavam...Imagino que em um perfil de namoro a gente apresente características pelas quais o outro possa se atrair ou achar interessante.

E o curioso que comecei a constatar foi o tanto de homens que colocavam fotos com garrafas e copos de bebida, exibindo-os quase como se fosse um troféu! Aí eu pensava comigo: será que esses caras pensam que as mulheres se atraem e querem namorar alcoólatras?

Enfim, eu sou bem careta, não faço uso de drogas nem de álcool, então achei que seria relevante colocar essa informação no meu perfil e assim filtrar quem não teria os mesmos hábitos que eu.

Dentre os vários matchs que aconteceram, teve um bem interessante e didático, para aprendermos mais sobre Comunicação Não-Violenta (CNV): o rapaz me mandou uma mensagem super bravo, furioso na verdade, me xingando, criticando e ridicularizando pelo fato de eu não usar drogas! (????)


De início eu fiquei meio surpresa com o inusitado da situação, mas como ele era um total desconhecido e não havia uma expectativa ou carga emocional envolvida, eu resolvi testar algumas práticas da CNV, como um laboratório mesmo.

Em geral, quando o outro faz algo que não entendemos, nosso primeiro impulso é JULGAR e ROTULAR, mas isso não favorece o dialogo nem o entendimento. Uma postura que estimula o diálogo é a CURIOSIDADE com aquilo que não entendemos.


Então, apoiada por essa perspectiva, eu fiz uma observação associada a uma pergunta:

"Pela sua fala, eu entendi que eu não sou o tipo de mulher que te interessa, certo? Então por que você está aqui no meu perfil investindo seu tempo em mim ao invés de enviar mensagens para mulheres mais alinhadas com o que você procura?"


Ele tornou a me criticar com frases debochadas. Eu apenas fiz um retorno do que entendi ele me dizer, sem acrescentar meus julgamentos sobre ele ou o conteúdo da mensagem: "ok, entendi que você está bem incomodado e com raiva, pelo fato de eu não estar dentro o perfil de mulher que você valoriza".


Os deboches continuaram, ao que eu respondi da mesma forma " estou vendo que você está muito incomodado e, na realidade, não estou ofendida com o que você está me falando, ao contrário, estou curiosa, pois você está investindo muita energia em conversar comigo ao invés de conversar com mulheres que te interessam, por que você está aqui ainda? "


Acho que essa pergunta o fez refletir, ele ainda em tom grosseiro, mas um tanto confuso me disse "é verdade, talvez eu te fale porque eu estou aqui, mas vou falar porque eu quero, não porque você pediu!">

"Ok, fique à vontade, se você quiser falar estou aqui", eu respondi.

Aí ele começa: "é que eu vi suas fotos, te achei bonita junto com aquelas flores, fiquei com vontade de conversar com você e te conhecer e aquela sua foto de biquíni me fez pensar na gente juntos e blábláblá". Um outro tom, algumas palavras com teor sexual, outras afetuosas, mas bem diferentes do início da conversa.


Eu estava bem curiosa para ver onde isso ia dar, mas escorreguei na ironia e respondi : "Ufa! Até que enfim consegui uns elogios!"

Aí ele me bloqueou.


Eu não esperava muito dessa conversa, mas ela é um exemplo interessante de como as respostas empáticas que ao invés de buscar defender, justificar ou contra-atacar, abrem espaço para que o outro possa falar, podem nos levar a níveis muito mais profundos e interessantes da conversa.

Você imaginava no início do texto que esse rapaz me faria um elogio?


Se eu tivesse respondido no mesmo tom que ele com agressões "você é um babaca drogado, machista e sem noção" isso se resumiria a uma troca de acusações bem previsíveis e não em um diálogo ou entendimento.


Diálogo é uma co-construção de sentido, em que nenhuma das partes sabe de antemão o que vai acontecer. Se já sabemos o resultado, é muito provável que não estamos dialogando, mas repetindo discursos prontos e nada criativos.


Veja, não estou com esse texto dizendo que devemos manter, sem filtros, essa postura empática e aberta com quem nos agride. Esse foi um experimento em que eu não corria riscos e que não havia carga emocional intensa.

Minha sugestão é – experimente fazer esse exercício da curiosidade empática nessas situações e permita se surpreender com o que pode acontecer!


Marina De Martino

Facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa


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