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A quem pertence o corpo das filhas?

Atualizado: 3 de jul. de 2023

O que você pensaria ao ver um bebê menino recém-nascido com as orelhas furadas?

Violência? Deixa ele escolher no futuro? Risco de infecção? Risco de enroscar na roupa e rasgar a orelha? Desnecessário?

Agora inverte, e se o bebê fosse uma menina? Essas frases ainda soam verdadeiras ou parece que para as meninas furar a orelha não é tão perigoso ou prejudicial?

Esse é um pequeno indício de quanto ainda acreditamos inconscientemente que o corpo (físico e emocional) das filhas não pertence a elas e podemos fazer o que queremos, independente do incômodo que isso cause ou de seu consentimento.


A quanto desconforto expomos as meninas?

Como diz a Débora Nisenbaum no texto "O Mínimo Esforço para Transar com um Cara", usamos brincos antes de saber andar! E soma-se a isso saias de tule que pinicam a pele, laçarotes e penteados que puxam o cabelo, sandalinhas de salto...


E em relação a consentimento então? Eu me lembro dessa fronteira ser bem tênue quando eu era criança, de estar desconfortável com algum contato ou algo que alguém queria fazer em meu corpo e acreditar que eu não tinha o direito de me manifestar, apenas de obedecer...

Como uma vez em que estava na cabeleireira, eu devia ter uma 9 anos, com a cabeça dentro daqueles secadores grandes, estava cozinhando lá dentro, um calor infernal, mas eu realmente não sabia que eu podia pedir para diminuir a temperatura, até que quando não aguentei mais, comecei a chorar.


Me lembro que o tema da primeira menstruação era uma fonte de grande preocupação e angústia tanto minha quanto de minhas amigas, porque acreditávamos que isso era uma coisa tão íntima e delicada que queríamos ter tempo de amadurecer essa nova realidade com privacidade e segurança, sem interferência de outras pessoas e nossas mães saíram contando para todo mundo...


Minha mãe contou para meu pai, que contou para meus tios, meu avô, meu irmão...uma família cheia de homens, que não tinham a menor ideia de como aquele momento estava sendo desafiador e constrangedor para mim (eu tinha 10 anos) e ninguém ao menos considerou me perguntar COMO EU QUERIA QUE ISSO FOSSE TRATADO !!! Era como se meu corpo fosse público e todos tivessem direto de opinar ou saber o que se passava com ele.

Essa falta de clareza sobre limites e consentimento é uma porta aberta para abusos e isso não para na infância...


Quantas de nós foram duramente criticadas, punidas, xingadas reprimidas pelos pais e mães quando na adolescência decidimos fazer livre uso de nossa sexualidade?

Eu passei por isso e já ouvi relatos semelhantes de muitas mulheres, alguns mais pesados, outros mais suaves, outros reflexivos, como a mãe que comentou que se considerava desconstruída e liberal, que não se importava quando o filho levava a namorada para dormir em casa, até quando a filha fez o mesmo e foi um choque...


Sutilmente, as práticas culturais ainda reforçam que as decisões sobre o corpo das filhas não pertence totalmente a elas, que outros detém o direito autorizar quem ela vai namorar, onde, quando e como, mesmo se elas já são adultas.

São violências normalizadas, que parecem pequenas e insignificantes para quem pratica, mas realidade causam grandes danos a quem as recebe.

O que você tem feito para interromper o machismo internalizado em suas relações familiares?


Marina De Martino

Facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa


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