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Escutar o silêncio pode ser desafiador e muito poderoso!

Atualizado: 3 de jul. de 2023

Certa vez, tivemos um voluntário na Comunidade Dedo Verde (casa/empresa compartilhada onde eu morei e trabalhei por 6 anos).

Nos primeiros dias em que ele estava lá, eu tive a impressão de que ele não gostava de mim, às vezes fingia que eu era invisível, às vezes não respondia minhas perguntas...uma falta de conexão que me soava esquisita. Tentei contato algumas vezes e nada além de respostas mecânicas.


Aí aconteceu de uma vez estarmos sozinhos em casa, era de noite e eu tinha feito uma sopa. Tivemos que sentar à mesma mesa e jantar juntos. Como era uma situação que não tinha carga emocional, ele ainda era um estanho para mim, eu aproveitei para testar o que eu já conhecia da Comunicação Não-Violenta (CNV), escutar o que de fato estava acontecendo e entender se tinha formas de criar mais proximidade e conexão.


Passamos por alguns assuntos aleatórios, ele elogiou minha sopa (modéstia à parte, eu cozinho muito bem!) as vezes a conversa fluía, às vezes morria, até que ficamos em silencio, aquele silêncio constrangedor. Poderia ser o fim do diálogo e cada um seguiria para a solidão de seu quarto, mas eu me lembrei de um exercício que fiz em um dos cursos com o Dominic Barter (facilitador de CNV), em que ele falava que o silêncio também era comunicação, que se não tivéssemos mais nada para falar era para a gente manter e contato e escutar o silêncio.


E assim fiz, permaneci em silêncio, mas mantendo a presença na relação. É desafiador, pode dar medo, frio na barriga...escutar o silêncio é romper um acordo social de preencher o vazio com palavras e assim distrair o outro do que realmente acontece conosco.


Emoções indizíveis em palavras começaram a ser ditas pelo olhar: cansaço, tristeza, solidão, fragilidade, medo, vulnerabilidade ... realidades compartilhadas, um espelho nítido, talvez por isso fosse tão difícil manter uma conversa com autenticidade por muito tempo. Desse diálogo de emoções por meio dos olhares, resultou um toque de mãos, como se ambos disséssemos um para o outro, também sinto que você sente, sei bem como é isso, estou aqui, conte comigo.


Já não havia mais distancia ou estranhamento, éramos tão íntimos e familiares que nos abraçamos por um longo tempo, até que depois nos beijamos... Acabamos tendo um romance breve (ele estava em São Paulo temporariamente), mas curioso e significativo.


Para mim isso significou uma retomada da minha vida afetiva após um relacionamento que me causara grande trauma emocional e me estilhaçara (tema para um outro texto). Era um indicio de que meu coração estava curado e pronto para outra.

Que bom que eu carreguei essa frase do Dominic viva comigo: Silêncio também é comunicação. E quanta vida pode florescer quando nos permitimos escutar o silêncio...


Marina De Martino

Facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa





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