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Um membro da Ku Klux Klan

Trecho do livro “Revolução Pacífica através da Educação” (Peaceable Revolution Through Education) de Catherine Cadden Tradução: Sandra Caselato

Zeke, de dezesseis anos de idade, era um membro ativo da Ku Klux Klan.

Eu tive a oportunidade de trabalhar em escolas de ensino médio na área da Baía de San Francisco ensinando não-violência em um workshop no formato de dois dias. Durante o primeiro dia trabalhamos sobre como transcender nossos pensamentos, ideias fixas e nossas percepções sobre outras pessoas, nos conectando com necessidades humanas universais. No segundo dia, apoiamos a conexão entre os estudantes na classe, e trabalhamos seu empoderamento com habilidades de resolução de conflitos.

Durante o workshop, Zeke esteve com seu desconforto numa sala com pessoas que ele via como judeus, gays, negros, liberais, o tipo errado de brancos, e mulheres, até que ele não aguentou mais ficar quieto. No segundo dia, durante um jogo, quando foi revelado que a irmã mais velha de uma menina judia teria uma cerimônia de casamento no verão seguinte para se casar com outra mulher, ele não hesitou em expressar em voz alta o que estava acontecendo em sua mente: “Isso é simplesmente errado!”

“Você está desconfortável porque há pessoas aqui com quem você não está acostumado a se conectar?” Eu perguntei.

Zeke respondeu racionalmente para explicar suas crenças sobre por que certas pessoas simplesmente “nasceram inferiores”. Depois de um monólogo que estimulou agitação em várias pessoas no grupo, ele acrescentou: “Sabe, eu odeio essas pessoas. Não me entendam mal. Eu não sou uma pessoa violenta. Eu não ia querer que nada de mal acontecesse a essas pessoas. É só que eu odeio certas pessoas.”

“Bom, agora eu estou confusa porque você está dizendo que odeia essas pessoas mas você não quer que nada de mal aconteça a elas. Eu estou supondo que talvez você possa ter alguma confusão sobre seus sentimentos em relação a essas pessoas, porque você diz que não quer ser violento, mas você fala em ódio”. Zeke continuou a ouvir com os braços cruzados sobre o peito, com os olhos fixos nos meus. “Eu também estou confusa sobre sua escolha em ser membro da KKK. Pelo que eu sei, eles criaram uma quantidade surpreendente de violência contra as pessoas que você diz que você odeia. Você pode me dizer por que você se juntou à KKK? Qual foi sua principal motivação para participar?”

Zeke olhou diretamente para mim: “Meu pai é membro da KKK!”

A sala se encheu de murmúrios. Um estudante, Terrance, entrou na conversa: “Ô cara, só porque seu pai é um ‘odiador’ não significa que você tem que ser também!”

Acenando com a cabeça para essa declaração profunda, acrescentei, olhando tão intensamente nos olhos de Zeke quanto ele havia olhado nos meus: “Estou ouvindo o quanto você gostaria de se conectar com seu pai. Também estou ouvindo que talvez você se sinta em conflito sobre ser um membro de uma organização que tenta criar conexão através da violência e do ódio aos outros”. Inclinando-me em direção a Zeke, tentando suavizar tangivelmente o ambiente com a minha presença: “Isso tem realmente suprido sua necessidade de se conectar com o seu pai?”

Os olhos de Zeke se encheram de lágrimas, mas ele não ia chorar, não na frente do grupo. “Sim”, Zeke fez uma pausa para fazer uma inspiração e uma expiração completas e audíveis para o grupo, talvez um pouco pela gravidade do que ele se deu conta, e um pouco para conter as lágrimas. “Eu acho que eu entrei porque eu queria me ligar ao meu pai. Eu só quero me dar bem com ele.”

Quando Zeke encontrou uma conexão empática que pôde lhe dar a oportunidade de conectar sua mente e seu coração, ele percebeu que não tinha se juntado à KKK porque odiava certas pessoas, mas porque estava desesperado em encontrar uma maneira de se conectar com seu pai.

Após o workshop ele veio até mim: “Sabe, essa foi a primeira vez que eu senti o medo começar a ir embora do meu corpo. Eu estou realmente aliviado.”

Com essa nova clareza, ele começou a avaliar a eficácia da sua escolha e decidiu que odiar os outros não era verdadeiramente o seu caminho, não era uma expressão de sua presença autêntica. Ele foi capaz de superar as ‘imagens de inimigos’ que sua mente havia criado e as ideias fixas que tinha sobre si mesmo para ver o que ele realmente precisava. Zeke saiu da KKK, desenvolveu todos os tipos de amigos, e continuou a trabalhar em diversas estratégias para encontrar conexão com seu pai.

Nós, seres humanos, estamos em constante movimento para atender às nossas necessidades. As estratégias que escolhemos são definidas pelo quão conectados estamos às necessidades que motivam cada escolha. Envolver o coração através do desenvolvimento de uma qualidade de escuta que consegue identificar as necessidades, cria uma presença consciente em nossa capacidade de nos conectarmos. O coração consciente clareia as necessidades humanas que estão vivas no momento. Com clareza do que é realmente necessário para o ser prosperar, o coração, em seguida, se conecta à mente para encontrar a solução.

A mente quer oferecer possíveis soluções a cada momento em que a envolvemos. Ondrea Levine descreve a mente desta maneira: “Há uma torta e sua mente diz: ‘Vá em frente, coma.’ Em seguida, depois de comer a torta, sua mente diz: ‘Eu não teria comido a torta se eu fosse você.’ E esta é a mente a quem nos dirigimos para pedir conselhos?” Se envolvemos nossa mente sem a escuta do coração, corremos o risco de fazer escolhas baseadas em nossas avaliações sobre a pessoa. A escuta que o coração faz das necessidades humanas dissolve os julgamentos, restaurando a oportunidade de nos conectarmos e criarmos entendimento.

Educação é sobre relacionamentos. Ao criar conexões empáticas e ambientes de aprendizagem não-julgadores, ajudamos a integrar a dor emocional para que os estudantes possam aprender. Com intenção clara em se conectar, com uma presença autêntica, e com um foco nas necessidades humanas que estão vivas, estabelecemos uma conexão empática com nossos alunos. Isso permite que os estudantes desenvolvam uma autoconsciência, que os inspira a fazer escolhas eficazes para atender às suas próprias necessidades, bem como às necessidades dos outros. Suas decisões passam a servir a vida, permitindo-nos acessar infinitas possibilidades de aprendizagem.

Se eu conseguir interiorizar o que eu quero de ver em minha sala de aula, então eu começo a contribuir para a paz, a tranquilidade e a aprendizagem dos meus alunos e minha. Minha mentora, Gloria Cooper, uma vez me disse: “Quando você ensina, você traz um campo de energia – o campo é de sua escolha.” Quando olhei para dentro e perguntei a mim mesma como eu gostaria que fosse meu campo, eu decidi que queria que fosse como Rumi descreve em seu poema:

Para além das ideias de certo e errado, existe um campo. Eu te encontro lá.

Com Zeke, eu não o vi como ‘errado’ por seus comportamentos ou crenças. Eu vi um ser humano se expressando. Ao vê-lo como um ser humano, eu fui capaz de acionar uma escuta enraizada na atenção plena que vem do coração, com disposição, aceitação e abertura para o outro. Consegui acionar também, a partir de uma postura de coração pleno, a capacidade mental de encontrar uma solução, que me permitiu encontrá-lo no campo de Rumi.

Se eu quero que meus estudantes respondam compassivamente, assumam responsabilidade por suas palavras e comportamentos, e tomem decisões que servem a vida, para que eles possam desenvolver plenamente suas potencialidades como aprendizes, então isso é exatamente o que devo fazer.

Eu aprendi que a ferramenta mais valiosa que eu posso trazer para a sala de aula é o amor (LOVE). Todos os dias, depois de definir minha intenção de conexão e trazer minha completa presença autêntica para o momento, eu Escuto (Listen) as necessidades humanas que estão vivas em cada palavra ou ação, Observo (Observe) o que está realmente acontecendo no momento determinado e o Valido (Validate) como verdadeiro para cada experiência do indivíduo, e Empatizo (Empathize) para criar uma qualidade de conexão que constrói confiança, compreensão e alianças para a aprendizagem.

Quando a alma se deita naquela grama, o mundo está cheio demais para se falar sobre ele. Ideias, linguagem, e mesmo a frase ‘um ao outro’, não faz qualquer sentido.

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