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Uma dinâmica muito comum que adoece relações sem que você perceba

Maria e Beto eram irmãos, cada um se casou e saiu da casa dos pais, mas aconteceu que em certo momento, por volta dos trinta e poucos anos, após a separação, ambos voltaram a morar na casa dos pais.


Beto tinha um cachorro e frequentemente se esquecia de dar comida para ele e de lhe dar atenção. Maria se solidarizava com o cachorro e cuidava de colocar água, comida e leva-lo passear.

Beto também fazia alguns acordos de cuidado coletivo, os quais com alguma frequência se esquecia de cumprir, como por exemplo fazer as compras de mercado ou de feira e Maria, quando percebia que ia faltar comida, fazia as compras.


As pessoas que eram próximas de Beto ficavam surpresas como ele não se organizava em seu dia-a-dia, se atrapalhava, se esquecia das coisas, assumir mais compromissos do que dava conta de cumprir, mas invariavelmente as coisas “davam certo” para ele. Alguns dizem que isso é fé na vida, que ele “vibrou na frequência certa”. Na realidade, ele se saía bem porque sempre aparecia alguém para ajudar e resolvia o problema.


Isso que acontece com Beto se chama privilégio masculino. Beto vivia cercado por mulheres, e mulheres são socializadas para maternar homens e minimizar os erros deles. Mas é sempre na regra 2 pesos, duas medidas: os erros dos homens sempre são irrelevantes e passíveis de ser facilmente consertados por uma mulher, como Maria que cuidava do cachorro dele e nunca recebeu nem um obrigado. Os erros de Maria, pelo contrário, eram expostos, amplificados e ela recebia rótulos de egoísta, tóxica, desleixada, infantil, etc.


Maria as vezes “falhava” em algum acordo, obvio, humanos não são perfeitos, mas Beto não tinha com Maria a mesma compaixão que ela tinha com ele. Beto frequentemente dizia que ela era irresponsável, que não confiava nela, que não podia ajuda-la pois se assim o fizesse, ela nunca ia “aprender” a ser responsável (Beto era terapeuta, por isso essa fala com teor “educativo”). E o mesmo acontecia com seus pais, que passavam a mão na cabeça de Beto, mas criticavam Maria ao menor erro cometido.


Certa vez, Beto e os pais estavam conversando na sala e quando Maria entrou, Beto comentou que de repente que sentiu uma “energia ruim”, era nítido como a presença de Maria o incomodava, mas Maria não entendia o porquê, e sempre fazia o seu melhor para conviver bem com todos e frequentemente acabava “pisando em ovos” para não perturbar Beto e causar mais conflitos.

Beto, que era discípulo assíduo de um desses gurus famosos (que segundo denúncias, abusou psicológica e sexualmente das seguidoras), criticava as práticas espirituais e de autoconhecimento de Maria, mas quando Maria criticava o guru, ele dizia que ela não tinha respeito pelas coisas que ele valorizada.


Com o estado de hipervigilância e devastada emocionalmente, consequência causada pela regra dos “dois pesos duas medidas”, Maria começou a desenvolver um transtorno de ansiedade, que ela só percebeu quando foi morar sozinha, ou seja, se afastou da situação.


Saber identificar indícios de relacionamento abusivo e machismo, principalmente a regra “dois pesos, duas medidas”, quem controla as narrativas sobre os fatos, mesmo entre as pessoas que amamos e com quem convivemos regularmente nos protege de problemas como esse, pois às vezes, a doença não é um distúrbio de alguém que não sabe gerenciar suas emoções, o problema é a convivência com pessoas que manifestam posturas adoecedoras e as violências invisíveis e o melhor a fazer quando não conseguimos nos fazer ouvir e não temos nossos sentimentos e necessidades validados igualmente na situação, é nos afastarmos.


Em casos de relacionamentos abusivos, a CNV pode auxiliar a fortalecer a pessoa envolvida a se fortalecer emocionalmente e materialmente, reconhecendo recursos, potencialidades e rede de apoio para se livrar da situação.

Jamais se deve utilizar a CNV para induzir mulheres a ter paciência, empatia, etc. com quem nitidamente não está fazendo o mesmo esforço para estabelecer conexão e equilíbrio na relação.


Marina De Martino

Mediadora de diálogos, facilitadora de grupos de Comunicação Não-Violenta e Justiça Restaurativa

Atendimentos individuais, casais, famílias, escolas, empresas, ongs


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